03 Março 2016
O Mobile World Congress em Barcelona, a maior conferência de tecnologia anual da Europa que aconteceu neste fim de semana, foi também um palco para alguns dos mais influentes personagens do mundo da tecnologia falarem a respeito de sua posição sobre a disputa da Apple contra o FBI. Essa não é uma briga particular entre a empresa e a agência, mas faz parte de um palco muito maior, global, envolvendo governos e serviços online que prezam por privacidade dos usuários.
Pavel Durov, fundador do Teleram e VKontakte, vive agora no vórtice do caso da Apple contra o FBI. Seu empreendimento atual, o aplicativo de mensagens seguras que rivaliza com o WhatsApp, foi criado justamente para resistir à pressão do governo, operando de forma mais semelhante ao WikiLeaks, que não possui monitoração, do que a Apple, enraizada do Vale do Silício.
Durov passou anos afastando as intrusões nas comunicações de seus usuários, com uma posição intransigente relativa à privacidade depois de fundar o site popular VKontakte, a resposta da Rússia para o Facebook, e acabou por perder o controle do serviço por se recusar às exigências do governo russo para bloquear protestantes.
Isso levou uma invasão ao seu escritório. O Serviço de Segurança Federal da Federação Russa, ou FSB, exigiu que Durov apagasse as páginas do VKontakte que eram utilizadas para organizar protestos contra a reeleição de Vladimir Putin. No dia seguinte, ele tuitou uma foto da carta, e escreveu: "Essa é a resposta oficial para o pedido de bloqueamento de certos grupos”: uma foto de um cachorro vestido com um capuz e mostrando a língua. Os agentes entraram em seu escritório, armados, no dia seguinte.
"Nós tivemos uma simples escolha: ou trair nossos valores ou manter nossos valores e deixar a Rússia para tentar fazer algo novo," Dirov disse em uma entrevista no MCW.
Ele optou pelos valores. Desde que deixou a Rússia para configurar o Telegram, Durov e sua equipe de 15 desenvolvedores tornaram-se imigrantes perpétuos, vivendo apenas alguns meses em cada local, começando em Berlim, em seguida Londres, vale do silício, Finlândia e, atualmente, Barcelona. A empresa foi incorporada em várias jurisdições, incluindo a Grã-Bretanha.
- Leia também: Zuckerberg está ao lado da Apple na luta contra o FBI: "Nós acreditamos em criptografia"
O Telegram se tornou polêmico quando se soube que o ISIS utiliza o serviço para organizar seus ataques terroristas, enviar fotos, textos e mensagens de voz. Autoridades da China, Irã e Rússia têm ameaçado ou tomado medidas para bloquear o seu serviço.
"Não estamos dispostos a comprometer nossos valores a fim de aumentar a nossa quota de mercado", disse Durov, inflexível. Porém, ainda assim, o Telegram apenas cresce. É amplamente utilizado no Oriente Médio, Centro e sudeste da Ásia e América Latina e tornou-se a maneira mais popular para os usuários de smartphone para se comunicar, driblando "políticas de moralidade" da República Islâmica do Irã.
Considerando tudo isso, e muito mais histórias impressionantes da "teimosia" de Durov, não é difícil adivinhar sua postura em relação ao caso da Apple e o FBI.
"Há sempre um risco de que seu iPhone possa ser roubado, e a pessoa que roubou pode usar os dados, fotos, etc para chantageá-lo", disse. Forçar a Apple a construir ferramentas para driblar seus próprios métodos de segurança abriria um precedente perigoso.
Por mais que o FBI acredite que a ferramenta que eles pediram só possa ser usada uma vez, nesse caso específico que eles investigam, Tim Cook já alertou que isso não é verdade, e que uma vez criada, a ferramenta poderá ser usada indefinidamente, como uma chave mestra para abrir qualquer porta.
"Lucro nunca será uma meta para o Telegram", disse Durov em seu site, e se ele ficar sem dinheiro, "convidaremos nossos usuários para doar e adicionaremos opções pagas não essenciais". Para a Reuters, ele adicionou que "este conjunto de valores não necessariamente nos impede de ganhar dinheiro. Eu acredito que em algum momento nós devemos aparecer com um modelo de negócio que nos tornaria sustentável."
A Reuters escreveu que "realçando o paradoxo essencial de sua posição absolutista, Telegram temporariamente tornou-se um app preferencial para Estado Islâmico distribuir sua propaganda violenta, inclusive tendo crédito para os ataques em Paris em novembro que deixou 130 pessoas mortas."
"Desde então, o Telegram teve sucesso apenas parcial em esforços para desalojar os jihadistas on-line de sua plataforma, semelhante à luta que maiores sites como Twitter e Facebook têm enfrentado".
O caso da Apple é extremamente delicado, pois caso o FBI vença, abrirá um enorme precedente, e nomes como Pavel Durov são, sem dúvida, um dos fortes candidatos a próximo alvo dos governos de muitos países.
Comentários