Economia e mercado 02 Mai
O Projeto de Lei 2630/2020 – conhecido como “PL das Fake News” – está em tramitação na Câmara dos Deputados e tem gerado polêmica em sua discussão, uma vez que chegou a mobilizar associações ligadas à área de comunicação, Big Techs, Judiciário e outras entidades.
Afinal, de que ela trata e quais são os principais posicionamentos sobre o assunto no momento? O Detetive TC separou os principais destaques sobre a proposta e esclarece os pontos a você a seguir:
O Projeto de Lei 2630/2020 é uma proposta de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) em 2020, quando ainda estava no Cidadania. O “PL das Fake News” tem ao todo mais de 40 artigos e chegou a passar pelo Senado, antes de ser debatido na Câmara.
A principal ideia consiste na criação da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, dentro do objetivo de estabelecer exigências para as redes sociais, os aplicativos de mensagens e as ferramentas de busca, com foco em retirar contas e conteúdos que possam ser classificados como criminosos.
Apesar de ser uma proposta iniciada há três anos, o debate foi retomado nas últimas semanas, em decorrência dos sequentes ataques contra escolas pelo Brasil – os quais geraram vítimas entre crianças e adolescentes e teriam sido organizados por meio das redes sociais, sem qualquer medida que pudesse ter prevenido os atos criminosos.
Mesmo que os opositores tenham classificado o projeto de lei como “PL da Censura”, o texto atual deixa bem claro que não haverá qualquer ameaça à livre expressão. Veja um trecho dele:
“As vedações e condicionantes previstos nesta Lei não implicarão restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à livre expressão e à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural, nos termos dos arts. 5º e 220 da Constituição Federal.”
PL 2630/2020
O que está previsto na “PL das Fake News”?
Um dos principais itens consiste na responsabilização por danos. Assim, as plataformas digitais vão ser as responsáveis por eventuais prejuízos causados por conteúdo de terceiros publicado nelas via publicidade, bem como quando obrigações de segurança não forem cumpridas.
Da mesma forma, veda o funcionamento de contas inautênticas e automatizadas não identificadas como tal. A lei estabelece a notificação por moderações, para que os usuários sejam avisados sobre a natureza da medida quando acontecer punição com exclusão, indisponibilização ou diminuição de alcance.
Outra regra engloba a identidade das publicidades, por meio de requisição de documentos para identificar os anunciantes, seja por pessoas físicas ou jurídicas. As plataformas ainda deverão disponibilizar um relatório semestral sobre os conteúdos publicitários nos quais o usuário teve contato.
A proposta prevê a remuneração de conteúdo jornalístico. Em outras palavras, os veículos de comunicação deverão receber uma quantia pelo uso do que for produzido por eles nas redes sociais.
Mais um item presente no projeto é a imunidade parlamentar e de contas de interesse público, ou seja, não sofrerão medidas sobre redução de alcance. Por outro lado, os congressistas e os perfis de quem ocupa cargos públicos ficarão vedados de bloquear usuários.
Para completar, o PL também limita o número de encaminhamentos de uma mesma mensagem e estabelece um consentimento prévio do usuário para inclusão em grupos dentro de aplicativos mensageiros.
A iniciativa de lei não agrada às chamadas Big Techs, que já manifestaram mais de uma vez a insatisfação a respeito do tema. Em fevereiro de 2022, Facebook, Instagram, Google, Twitter e Mercado Livre assinaram uma carta conjunto para criticar o Projeto de Lei 2630/2020.
Na ocasião, a manifestação das empresas dizia que a proposta representaria uma “potencial ameaça para a Internet livre, democrática e aberta”, com uma indicação de que o projeto traria algum tipo de censura para o conteúdo publicado nas redes – o que não há qualquer indício pelos itens da proposta, já mencionados mais acima.
Nesta terça-feira (2), o Google resolveu lançar uma ofensiva maior. A gigante de Mountain View publicou em sua página inicial um link para o seu blog oficial – canal de publicação dos comunicados à imprensa e lançamentos –, com críticas ao PL das Fake News. A mensagem dizia que “O PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”.
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) determinou a remoção do conteúdo, uma vez que uma empresa que se define como plataforma de tecnologia não pode publicar um “editorial” – ou seja, um artigo que expressa a própria opinião –, pois isso deve ser classificado como publicidade e demanda sinalização como tal. Minutos depois, o Google removeu o link da sua página inicial.
Em contraponto às Big Techs, as representantes da imprensa brasileira defendem o PL 2630/2020 e o consideram um antídoto aos “efeitos dramáticos da desinformação e do discurso de ódio na internet.
Um manifesto foi publicado no dia 18 de abril e chegou a ser assinado por 11 órgãos do setor: Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert); Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner); Associação Nacional de Jornais (ANJ); Associação De Jornalismo Digital (Ajor); Associação Brasileira de Mídia Digital (ABMD); Associação da Imprensa de Pernambuco (Aip); Associação Paulista de Jornais (APJ); Associação Riograndense de Imprensa (Ari); Confederação Nacional da Comunicação Social (CNCOM); Federação Nacional das Empresas de Jornais e Revistas (Fenajore); e Federação Nacional das Empresas de Rádio e Televisão (Fenaert).
A Sala de Articulação contra a Desinformação (SAD) é outra defensora do projeto de lei. O grupo com mais de 100 entidades da sociedade civil – tais quais o Instituto Vladimir Herzog, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Federação Nacional dos Jornalistas, Instituto Igarapé, Fundação Tide Setúbal e a Coalizão Direitos na Rede – entende que a ideia é importante “para construir um ambiente digital democrático, seguro e saudável”.
Se há a discussão sobre o tema no Brasil, como funciona no restante do mundo? Vários países já possuem sua regulamentação nacional ou regional para estabelecer algumas regras aos conteúdos online. Ou seja, o Projeto de Lei em tramitação no país está longe de ser algo isolado no mundo.
A União Europeia estabelece a criação de uma série de mecanismos voltados a denúncia de conteúdos ilícitos ou difamatórios, bem como exige a exposição dos motivos para as possíveis remoções. A região ainda estabelece transparência para moderação de conteúdo, para que os casos de análise por humanos ou automatizada sejam bem definidos.
Alguns países do bloco possuem normas específicas locais. A Alemanha, por exemplo, prevê altas quantias de multas para empresas de tecnologia, as quais devem tirar do ar em até 24 horas os textos, áudios e vídeos com conteúdos ilícitos. No caso de discursos de ódio, são mais de 20 tipos previstos na legislação alemã.
A França é outro caso com leis mais rígidas. Ela criou uma “maioridade” de 15 anos para que os jovens entrem nas redes sociais sem autorização dos pais. As plataformas atuantes em solo francês também precisam fazer acordos para remunerar os veículos de imprensa, bem como reconhecer os direitos autorais deles.
Fora da Europa, a Austrália também se trata de um local que obriga o pagamento pelo uso de conteúdo jornalístico por parte das plataformas digitais – inclusive, foi o pioneiro na iniciativa. As regras preveem um acordo entre as partes para estabelecer a remuneração. O governo pode servir como mediador, caso não cheguem a um consenso.
Já nos Estados Unidos, a existência ou não de normas varia conforme o estado. O primeiro a criar regulamentações para o uso de redes sociais foi Utah, que limita a utilização de Instagram, Facebook e TikTok para menores de 18 anos.
Não existe vácuo de poder. Caso o Poder Legislativo se negue a votar o projeto, o Judiciário poderá entrar em ação para determinar o que fazer sobre o assunto, enquanto o Congresso não faz a sua parte.
O mecanismo mais provável é que sejam estendidos às plataformas digitais dois artigos do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O Art. 6º, inciso I, estabelece como direitos básicos do consumidor “a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”.
Já o Art. 14 do mesmo CDC determina a responsabilidade civil sobre quaisquer prejuízos: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
E aí, qual é a sua avaliação sobre o chamado “PL das Fake News”? Relate para a gente no espaço abaixo.
Comentários