11 Setembro 2015
Esta semana, o TudoCelular falou sobre o caso de Cristiano Araújo, cujas fotos do corpo apareceram na internet, gerando uma briga jurídica com o Google que no momento exige o pagamento de 50 mil reais do buscador. No texto original, mostramos a visão do Google e de seus advogados de defesa, que confirmam que a empresa não violou nenhuma lei e que a juíza do caso não utilizou o Marco Civil da Internet como parâmetro para o julgamento. Agora, se aproveitando da polêmica, foram colocados dois projetos de lei, um na Câmara e outro no Senado que visam dar mais ênfase ao problema.
O deputado Cesar Halum (PRB-TO) criou um projeto expansivo, que visa punir quem "reproduz acintosamente, em qualquer meio de comunicação, foto, vídeo ou material que contenha imagens ou cenas aviltantes de cadáver ou parte dele." Ou seja, o objetivo do deputado é fazer com que todas as pessoas que divulgarem ou compartilharem uma foto dessas sejam punidas.
"Atualmente só pune quem registra as imagens de cadáver e as pessoas que compartilham o conteúdo acabam ilesas. O ato de divulgar as imagens é tão danoso quanto o ato de coletar a imagem", afirma o deputado Halum em seu projeto de lei.
Para Renato Leite, um advogado especialista em direito digital, o projeto é demasiadamente aberto e quase impossível de ser cumprido. "Uma possível consequência é que ela submeta pessoas a procedimentos criminais quando elas não tinham qualquer intenção de causar danos", explicou. Fora que, se você recebe uma foto sem legendas do corpo de Cristiano Araújo, e como muitas pessoas, você não sabia quem ele era, porque alguém deve ser penalizado por, por exemplo, compartilhar com outra pessoa perguntando sobre a foto que recebeu?
O potencial de imensos entraves jurídicos deixa bem claro que esta lei não teria muita chance de funcionar, fora ter de vistoriar Whatsapps, mensagens pessoais de Facebook e outras redes sociais que já contariam como violação de privacidade, e não se pode solucionar um crime cometendo outro.
O projeto de lei 436, este em trâmite no Senado, de Davi Alcolumbre (DEM-SP), pretende tornar mais severa a punição que já descrita no Código Penal. A alteração estabeleceria o aumento de pena de um a dois terços, caso o vilipêndio consista na exposição na internet de fotos ou vídeos de cadáver. A proposta foi registrada na casa em 1º de julho, uma semana após a morte do cantor sertanejo.
"O projeto visa punir com maior rigor o agente que pratica o crime de vilipêndio a cadáver, expondo a imagem, foto ou vídeo, divulgando-a por meio da internet (inclusive aplicativos que permitam troca de dados, por exemplo, WhatsApp), redes sociais ou similares, bem como aquele que reincide no mesmo crime", diz o texto do projeto de lei.
No caso de Cristiano Araújo, os três responsáveis funcionários da Clínica Oeste, em Goiânia, foram indiciados por "vilipêndio ao cadáver" e demitidos por justa causa.
O que diz a lei e capitalização do punitivismo
O especialista consultado, Renato Leite considera que a alteração do Código Penal deve ser o último artifício, pois esses casos podem ser enquadrados como crime de vilipêndio ao cadáver. De fato, a impressão que temos é que o Deputado do PRB e o Senador do DEM buscam apenas capitalizar em cima do grande burburinho midiático gerado pelo triste acidente que vitimou o cantor.
No site JusBrasil, uma das maiores concentrações de advogados e juristas do Brasil, a resolução também está sendo criticada, justamente por tentar legislar em cima de temas que já estão cobertos pelas leis vingentes.
A Constituição Federal no art. 5º, X dispõe:
“X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
Ou seja, estes direitos são fundamentais, garantidos constitucionalmente. Desta forma, expor de modo degradante a imagem de uma pessoa pública e de sua namorada em situação de procedimentos post mortem (após a morte), é uma violação direta ao direto à intimidade, à imagem e a vida privada dos familiares. Ele por si só já é passível de indenização por danos morais (art. 187 e 927 do Código Civil) na esfera civil.
Se olharmos do ponto de vista do direito trabalhista a atitude pode ser vista como um mau procedimento do seu serviço (art. 482, ‘b’ da CLT) que tem como consequência a dispensa com justa causa. É importante notar que isso já aconteceu no dia do vazamento.
Por fim, se encararmos o caráter penal da ação, temos também um resguardo no Código Penal:
“Vilipêndio a cadáver
Art. 212 - Vilipendiar cadáver ou suas cinzas:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.”
Tudo isso nos mostra, assim como o início do processo contra os três acusados do caso, que a lei brasileira se encontra perfeitamente amparada para lidar com estas situações e que uma alteração se faz necessária.
As duas novas leis parecem enveredar por um caminho punitivista que não faz muito sentido. Segundo o Primeiro Artigo da LEP (Lei de Execução Penal Nº 7.210), a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Ou seja, a prisão deveria servir apenas para resocializar um condenado de um crime. Sabemos que isso não acontece no Brasil, onde quase 70% das pessoas que vão presas acabando indo para lá de novo, já que estes estabelecimentos não recebem nenhum suporte do estado.
Em um país que já sofre com a superlotação carcerária, e que comprovadamente possui um sistema que é incapaz de se fazer cumprir a LEP, qual é o objetivo de fazer com que mais pessoas vão para a cadeia (no caso do projeto de lei na câmara) ou que infratores passem ainda mais tempo na cadeia (como é o caso do Senado)? O que tem sido cada vez mais comum nos juristas, é o uso de penas alternativas para crimes não violentos.
Não faz muito sentido enviar um médico legista sem antecedentes criminais para um regime prisional fechado na medida que ele não representa um perigo aos seus semelhantes. Sabemos que o mesmo já foi demitido por justa causa, e será obrigado a pagar uma enorme quantia em reparação a família de suas vítimas, o resto da pena poderia facilmente ser completada com alguns anos de trabalhos sócio-educativos em um regime semi-aberto. Desta forma, cumpre-se a Lei de Execução Penal, que vigora no país desde 1984, e é garantido que o réu tenha "condições para a harmônica integração social" como reivindica o primeiro artigo da lei.
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