
24 Agosto 2015
O Uber é um serviço que tem sido alvo de algumas das maiores polêmicas do ano. Ela já foi proibido na França, Itália, Índia, Alemanha, Espanha, Coréia do Sul, Indonésia e tantos outros lugares. Nestes países, e mesmo naqueles em que ele opera legalmente, como na Inglaterra, o Uber tem gerado revoltas e protestos gigantescos com os taxistas locais que acreditam que o serviço é uma forma de concorrência desleal.
Para quem ainda não conhece, o Uber funciona como uma espécie de táxi de luxo. Ele recruta motoristas que, para serem aceitos no serviço, devem cumprir certos pré-requisitos como terem determinados tipos de carros e oferecerem provas e garantias pessoais. Essa frota é contratada pelos clientes via apps de smartphones. Através deles, é possível acompanhar todo o trajeto do veículo e atribuir notas ao motorista. Os pagamentos saem direto de um cartão de crédito previamente cadastrado, ou seja, não acontece transação em dinheiro.
O TudoCelular decidiu fazer um artigo um pouco mais completo para você entender melhor a polêmica. Com a recente votação na Câmara Municipal de São Paulo, tem se falado muito sobre o tema nas redes sociais, não é difícil ver pessoas tomando partidos mesmo estando alheias à complexidade da questão. Por isso decidimos preparar um artigo explicando melhor os lados dessa disputa. O que os taxistas estão reclamando sobre o novo serviço? Quais são os argumentos do Uber em sua defesa? Como os governos podem lidar com a situação? Estas são algumas das perguntas que pretendemos responder com este artigo.
Como já mencionamos, o Uber foi proibido de atuar em dezenas de países. Isso ocorreu porque a empresa não prioriza a regulamentação de seu serviço do ponto de vista jurídico quando ela entra em um novo país. Um pouco mais adiante iremos discutir qual é a estratégia de mercado que norteia o Uber, mas agora vamos nos ater a discutir as leis no Brasil que configurariam o serviço não apenas como ilegal, mas Inconstitucional. Vejamos o porquê:
Em nosso país, a Constituição da República estabelece que é livre o exercício de qualquer profissão, desde que ela atenda as qualificações determinadas pela lei.
"Art 5 XIII CR - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;"
No caso do Uber, ele emprega motoristas que fazem transporte individual de passageiros com pagamentos atrelados à corrida. Para que esse ofício seja praticado, é necessário cumprir os requisitos legais. Há uma lei que regulamente essa profissão. Lei federal 12468/11. O artigo 2 do dispositivo legal estabelece o seguinte:
"Art. 2 É atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros, cuja capacidade será de, no máximo, 7 (sete) passageiros."
Ou seja, a lei já estabelece claramente que quem realiza esta profissão é tão somente os taxistas. No artigo 3 podemos entender melhor as condições para que se possa exercer a profissão de taxista. Selecionamos as duas características mais relevantes.
"Art. 3: A atividade profissional de que trata o art. 1 somente será exercida por profissional que atenda integralmente aos requisitos e às condições abaixo estabelecidos:
III - veículo com as características exigidas pela autoridade de trânsito;
IV - certificação específica para exercer a profissão, emitida pelo órgão competente da localidade da prestação do serviço;"
No caso da cidade do Rio de Janeiro, os serviços de transporte individual de passageiros são regulamentados pelo decreto 38242 de 2013. O art. 4 apresenta os requisitos mínimos para que se possa exercer tal serviço. Os principais são:
"III – conduzir veículo com as características exigidas pelas autoridades de trânsito, e devidamente inspecionado pela SMTR anualmente;
IV – ser titular de certificação específica para exercer a profissão, emitida pela SMTR."
Isso significa que para exercer o transporte individual de passageiros como profissão é necessário, entre outras exigências, ser titular de uma certificação específica emitida pela Secretaria Municipal de Trânsito e conduzir veículo com as características exigidas por este mesmo órgão.
Os motoristas da Uber não possuem Termo de Permissão e Alvará de Estacionamento, os quais são outorgados pelas prefeituras dos municípios (em São Paulo a Lei Municipal 7.329/69), e pelo artigo 175, da Constituição Federal.
Sabemos que os motoristas do Uber são rigorosamente avaliados em suas relações com seus clientes, e ainda que este critério tenha seus méritos, estes motoristas não passam pelas mesmas exigências que são demandadas aos taxistas. O Estado e os municípios exigem, pensando no conforto e na segurança dos passageiros, que os seus taxistas façam curso de relações humanas, direção defensiva, primeiros socorros, mecânica e elétrica básica de veículos, a fim de receberem a certificação específica para o exercício da profissão.
Logo, de acordo com nossa leitura fria da lei, somente taxistas podem exercer a função de transporte público individual de passageiros. Os motoristas e seus veículos do Uber não apresentam os requisitos para serem taxistas. Se eles não são taxistas, não podem exercer tal profissão
Um problema relevante neste ponto da concorrência desleal é a questão dos preços. O cálculo da “corrida” do Uber é feito sem nenhum controle do município. Ao mesmo tempo, os taxistas estão restritos a uma tabela autorizada e um taxímetro aferido pelos órgãos reguladores especializados. Em São Paulo, isso é determinação da Lei 12.468/11, que torna obrigatória a utilização de taxímetro para os municípios com mais de 50 mil habitantes.
Outro problema que agrava o quadro de concorrência desleal é o fato de que os taxistas não podem escolher suas corridas (mesmo quando usam apps os táxis não sabem o destino de seus passageiros). Segundo a lei que rege sua profissão, eles também não podem estacionar ou formar fila fora do ponto de táxi em locais que não tenha recebido autorização da prefeitura. Seguir estas regras os tornam aptos apenas para competir entre si, e não com os motoristas do Uber, que escolhem corridas e podem estacionar em qualquer lugar.
Sabemos que o novo serviço pratica o mesmo ofício que os taxistas, mas não possui obrigação de seguir os imperativos legais, não se sujeita a nenhum contrato com o município ou com o Estado. Dessa forma, fica claro então, a deslealdade da competição.
O Uber, de certa maneira, também causa alguns prejuízos aos seus consumidores. Como a tarifa não é tabelada algumas corridas podem sair bem mais caras do que o esperado. O acesso ao valor cobrado acontece após a finalização da corrida, ou seja, o passageiro não consegue acompanhar a evolução do custo do trajeto. Por fim, outro problema é que o Uber possui apenas uma única forma de pagamento, o cartão de crédito. Tudo isso pode ser configurado como violações ao Código de Defesa do Consumidor, assim como crimes contra as relações de consumo (Lei 8.137/90).
Por fim, creio que o último problema relevante se dá em relação a questão ética/ambiental. No caso do Rio de Janeiro, a cidade possui uma frota de táxis tão grande que há muitos anos o município optou por suspender a criação de novas licenças. Vivemos um momento de reflexão em relação ao trânsito nas grandes cidades. Temos iniciativas concretas como a abolição de carros nos centros, faixas exclusivas de ônibus e até mesmo a redução de tamanho das pistas para a criação de ciclovias. Tudo isso visa desestimular o uso do carro, impulsionar a bicicleta como ferramenta de transporte individual e reduzir drasticamente o tempo de viagem dos transportes públicos.
O Uber vai na contramão desta tendência mundial. As cidades de hoje já estão se esforçando para reduzir o número de carros circulando: implementando rodízios, suspendendo licenças, barrando a circulação em determinadas áreas da cidade e etc. O novo serviço neste quesito serve apenas para estimular que mais pessoas comprem carros, especialmente em um cenário de diminuição de postos de trabalho, como o que nos encontramos agora. Sem o devido controle, e levando em conta o estímulo que o Uber oferece para ganhar novos motoristas, a empresa corre o risco de aumentar o uso de carros nas grandes cidades, trazendo mais desconforto e poluição para a população comum, que nem tem como arcar com os preços de um serviço de luxo.
Apesar de todos os mecanismos de regulação do Estado, é inegável que, em muitos casos, os motoristas do Uber são mais educados, os carros são mais bem equipados e o conforto do passageiro se mostra mais prioritário. Não sabemos exatamente se estes veículos são mais seguros, dado que eles não passam por uma vistoria profissional, mas eles certamente parecem seguir padrões de exigência maiores do que a prefeitura impõe aos seus taxistas.
Do ponto de vista legal, é possível enxergar várias complicações na hora de julgar o Uber. Seus representantes alegam que eles não são um serviço análogo ao Táxi. De acordo com sua defesa, tudo o que a empresa faz é ajudar pessoas a encontrar motoristas particulares que queiram ir para onde elas estão indo. Um dos argumentos do Uber para dizer que ele não pode ser fechado é justamente o fato de não possuir nenhum carro. Como uma empresa de software, ele é 100% virtual, por isso fica difícil encaixá-la na legislação.
Mesmo ignorando a natureza do serviço que o Uber presta, o debate legal em torno dele ainda é muito complexo, pois remonta às origens do serviço de táxi. Sabemos que sem a criação destas leis, qualquer um poderia atuar como taxista e o resultado disso seria perigoso. Uma pessoa que parasse um táxi não teria informações sobre o motorista e o veículo. Desta maneira, a regulação foi criada para dar mais segurança aos passageiros, que assim podem saber que o seu motorista foi devidamente vistoriado e certificado pela prefeitura.
No caso do Uber, ele toma para si a responsabilidade de fiscalizar os carros e motoristas do serviço de transporte individual. Para se cadastrar no aplicativo como motorista é preciso ter uma carteira profissional (com licença para exercer atividade remunerada), fazer um seguro que cubra o passageiro e ter um carro no modelo sedã de ano mais recente que 2009. A empresa também alega fazer a checagem de antecedentes criminais.
Para completar a fiscalização entram os clientes que, ao concluir o pagamento, são convidados a fazer uma avaliação do serviço. As notas podem variar de um à cinco, e qualquer motorista que for classificado com menos de quatro estrelas pode ser barrado de atuar pela empresa.
Os porta-vozes da empresa dizem que ela não é ilegal porque veio depois da legislação. "Colocar o Uber num modelo antigo não faz sentido. É como comparar Netflix com televisão. Ele foi criado depois das leis atuais e precisa de regulação específica", diz Fábio Sabba, um dos diretores do aplicativo no Brasil.
De fato, muitas das leis que regem o transporte individual são ultrapassadas. A popularidade do Uber pode representar o momento ideal para atualizar a legislação. Hoje em dia, a ideia de um ponto de táxi da prefeitura faz menos sentido do que na década de 1960 quando foram criados. Mais de 80% das frotas de táxi nos centros urbanos utilizam aplicativos diariamente, será mesmo que ainda precisamos de tantos pontos de táxi?
Como mencionamos, entre as principais reclamações dos taxistas estão que os motoristas do Uber não precisam pagar pelas taxas de licença da prefeitura e que eles não pagam impostos. Ainda que isso seja verdade, os táxis da capital paulista também são isentos de ISS (Imposto sobre Serviços) sobre as corridas. Caso os motoristas do Uber se tornem profissionais autônomos com registro na prefeitura eles ainda terão de pagar esse tributo, o que mostra que a concorrência pode não ser tão desleal assim.
Na mesma linha de argumento, é válido lembrar que os taxistas ganham descontos fiscais na hora de comprar um carro, o que pode abater o preço de um automóvel em até 30%. Outra vantagem considerável para a classe.
A reserva de mercado não é sempre positiva, e nesse caso pode prejudicar a população que quer ter acesso a um serviço de qualidade superior. A própria existência do Uber vai forçar os taxistas a melhorarem como profissionais, dada a concorrência entre os serviços. A estagnação da classe pode ser um problema até do ponto de vista criminal, dado o que se tornou um mercado de licenças.
Basicamente vários taxistas criaram um mercado negro de concessões, onde eles vendem de maneira ilegal as suas licenças públicas. Pela lei, elas deveriam ser passadas como herança, o que já é muito estranho, ou devolvidas a prefeitura. Dependendo do ponto de taxi que se pertence é possível cobrar mais de R$200.000,00 pelo direito de ser taxista. É importante encontrar formas de combater este tipo de máfia, e o Uber pode ser um modelo eficiente para isso.
O Uber sabe que funciona à margem da legalidade. Segundo Marcus Wohlsen, da WIRED, o objetivo da empresa é se tornar tão grande e popular de forma rápida que seus clientes lutariam para manter a empresa aberta. Se por alguma razão algum juiz decidisse cortar o acesso dos brasileiros ao WhatsApp, isso certamente geraria uma revolta. Este parece ser o caminho que o Uber está tentando tomar, conseguindo assim algum poder de pressão com os governos.
Para tal, sempre que a empresa estreia em um novo local, ela oferece vouchers generosos para conquistar novos clientes. No Brasil, se você indicava um amigo ao serviço era possível ganhar até R$ 55 de bônus para as suas futuras corridas. Em Nova York a empresa fez uma guerra de preços contra concorrentes e taxistas, reduzindo em 20% o valor do UberX, a versão de baixo custo do serviço, o que a tornou uma opção mais barata que os famosos táxis amarelos da cidade.
A estratégia era tão agressiva que o Uber perdia dinheiro em todas as corridas. No entanto, com tantos bilhões dólares disponíveis concedidos por investidores, a estratégia serviu para consolidar o serviço como essencial. O fato é que é impossível questionar a eficácia deste método, e em pouco tempo de operação milhares de brasileiros já se tornaram clientes fidelizados. A total proibição do serviço, como foi votado nesta semana na Câmara Municipal de São Paulo, pode mesmo não ser o melhor caminho.
Sabemos que a discussão em torno do Uber está sendo muito polarizada. As coisas chegaram a dois ápices diferentes na última semana, com taxistas no Brasil fazendo ameaças de morte aos motoristas do Uber, e na França, onde depois de protestos violentos contra o serviço, os diretores da empresa foram detidos pela polícia.
É necessário abordar o assunto de forma mais branda. Apesar da boa vontade do governo em cooperar com o aplicativo (que se encontra legal em todo o Brasil), sabemos que mudanças tão profundas jamais passarão intocadas, sem resistência. O Reino Unido, por exemplo, tem se mostrado receptivo ao Uber, assim a como diferentes aplicativos modernos que contribuem com a chamada "economia colaborativa". Apesar disso, no último mês, o centro de Londres foi parado por um protesto em massa organizado pelos taxistas.
É preciso encontrar um meio termo em relação a toda esta história. Não é nem desejável o fim da regulação, nem a total oposição a ela, e sim uma abordagem mais aberta a inovação. Vivemos na era digital, e serviços similares ao Uber são cada vez mais comuns. Não podemos deixar que o aluguel de apartamentos por temporada (como o Windu ou AirbnB), seja detido pelo monopólio dos registros de hotéis. É necessário uma revisão nas leis. Com a proeminência da Internet em nossas vidas, este clamor por mudança será cada vez mais recorrente, por isso devemos estabelecer um diálogo para suavizar essas transições.
Sabemos que regular a atividade do Uber não é garantia que todos os tributos sejam equilibrados. No Brasil, as leis regulatórias e tributárias não conversam necessariamente. É possível legalizar um novo serviço sem equipará-lo a outro na parte tributária. Vários especialistas acreditam que existam alternativas, como o cadastro de condutores em órgãos públicos e o pagamento de taxas pelo Uber para evitar concorrência desleal.
Em São Paulo, a atual gestão do prefeito Haddad parece preferir o diálogo a proibição, e estuda formas de regularizar a iniciativa. "É algo novo, complexo, veio pra ficar e tem que ter alguma regulamentação", explica Jilmar Tatto, secretário de Transportes.
O tema é complexo e, exceto nos países onde o Uber já existe há muito tempo, a legislação ainda é frágil e gera polêmicas. Vamos torcer para que seja possível encontrar um meio termo legal para que os brasileiros sejam capazes de desfrutar tanto do Uber quanto futuras iniciativas que apareçam neste mercado em constante evolução.
Autoria de Felipe Velloso
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