30 Dezembro 2015
Este artigo vai falar um pouco sobre a Apple e não vai ser no sentido positivo. Não vamos discutir o quão rápido e consistente é o iOS e o quão poderoso é o seu hardware; não. Aqui vamos falar sobre os diversos problemas que estão sendo gerados pelas grandes corporações de tecnologia do mundo e a Apple em especial.
Ainda que este seja um texto autoral e não represente necessariamente a visão de todos os autores do TudoCelular, creio que é importante dizer que nós certamente apoiamos e desejamos o desenvolvimento tecnológico, e que gostamos especialmente de celulares, mas isso não nos impede de fazer críticas duras ao atual modelo de fabricação destes aparelhos e de gestão destas empresas. Muito pelo contrário, mais de uma vez aqui eu já falei sobre o potencial de transformação social destas novas tecnologias, sejam elas empregadas na política, na educação e até mesmo nas cadeias.
A escolha da empresa de Cupertino não foi por acaso, ela foi eleita mais uma vez este ano como a marca mais valorosa do mundo de acordo com o ranking anual BrandZ, realizado pela companhia de pesquisas de mercado Millward Brown.
Segundo o estudo, a companhia cresceu 67% no último ano e atingiu o valor de 247 bilhões de dólares. De acordo com Amanda Phillips, chefe de marketing da Millward Brown, o principal motivo de sucesso da Apple tem sido a popularidade global do iPhone 6 e sua versão Plus, além do lançamento bem sucedido do Apple Watch em 2015. Fora o ranking de marca mais valiosa do mundo, a Apple também emplacou um estapafúrdio prêmio de marca mais verde pelo Greenpeace, uma organização que parece todos os anos diminuir sua pouca credibilidade.
O que queremos dizer é que a Apple é hoje um imenso símbolo, maior do que qualquer outra empresa contemporânea. Nenhuma outra marca é tão conhecida ou tão invejada quanto ela. É justamente por estar sobre o pódio do mundo que é tão estranho que a Apple seja tão pouco investigada por suas ações menos humanitárias.
Quase todos os problemas mais graves que vamos registrar não são diretamente causados pela Apple; no entanto, ao contratar estas empresas, (como a Foxconn em particular), ela demonstra que não está disposta a colocar o bem estar de outras pessoas acima da sua capacidade de lucrar, produzindo em fábricas com alto índice de acusações perniciosas que vão desde o suicídio de funcionários até a morte por exaustão de seus colaboradores.
É muito importante mais uma vez deixar claro que a Apple não está sozinha nesses problemas, e que a mesma foi escolhida para “mártir” neste artigo apenas por sua posição no topo. Torcemos que quanto mais pessoas tiverem consciência de como estão sendo produzidos seus aparelhos, mais pressão política poderá ser feita para que estas grandes empresas mudem seus hábitos. Nesta semana mesmo a Samsung anunciou planos para acabar com a exploração de mão de obra em suas fábricas, vamos torcer que este movimento seja cada vez mais rápido e eficiente.
Para não ficar apenas na crítica, e para mostrar de forma clara que, como entusiastas da tecnologia, nós não queremos que o mundo simplesmente deixe suas ferramentas eletrônicas para lá, tentaremos na medida do possível fazer sugestões e demonstrar que podemos sim ter acesso à estes dispositivos de forma socialmente responsável com algumas mudanças em termos de política.
Extração de Material
A verdade é que um dos principais problemas enfrentados pelas empresas de tecnologia se dá na mais rudimentar e inicial das fases de produção: a extração do material. Existem dezenas de textos que falam sobre o problema que é o esgotamento de alguns metais raros na produção de produtos eletrônicos nas últimas décadas. Como este não será o foco deste artigo, escolhemos usar apenas um pequeno, mas muito relevante componente que alimenta os nossos celulares: o Coltan.
Este cobiçado material é um mistura de dois minerais: a columbita e tantalita. Basicamente da columbita se extrai o nióbio, este é um elemento muito comum no Brasil, que possui uma das maiores reservas deste metal. Ele tem diversas utilizações, mas as mais comuns são a construção de jatos e foguetes por sua estabilidade térmica. No caso da tantalita, ela nos dá o necessário tântalo, um metal duro de transição, de cor azul acinzentado e brilho metálico, resistente à corrosão usado em condensadores para uma enorme variedade de produtos como telefones celulares, computadores e tablets, bem como em aparelhos para surdez, próteses, implantes e soldas para turbinas, entre muitos outros.
Uma das maiores reservas de tantalita no mundo (na forma Coltan, ou seja, junto com a columbita) está na República Democrática do Congo, onde se desenvolve uma guerra civil há 15 anos em torno da posse das minas, além outros conflitos étnicos, territoriais e políticos. Para a indústria de alta tecnologia, o tântalo é quase um pó mágico, um componente-chave de tudo. A venda de coltan não é ilegal e a maior parte da oferta de tântalo mundial - avaliada em 15 bilhões de dólares ao ano - vem de empresas de mineração legais na Austrália, no Canadá e aqui no Brasil.
No entanto, conforme o valor deste metal começou a subir no mercado, cada vez mais o tântalo congolês passou a ser necessário, catapultando o país africano para o centro do comércio deste metal no mundo. Com isso, muitos grupos de rebeldes em guerra, fundados e patrocinados pelos países vizinhos como Ruanda e Uganda, passaram a explorar a mineração de coltan para ajudar a financiar sua guerra civil sangrenta.
E o problema não se limita à guerra, existem também as condições perversas de trabalho nesses lugares. Atualmente, 16,9 por cento das crianças entre as idades de 5 e 14 anos trabalham na indústria de mineração do Congo. Isto é, são cerca de 40.000 crianças obrigadas a extrair os minerais para nossos smartphones e laptops. A Organização Internacional do Trabalho da ONU chamou a mineração de uma das piores formas de trabalho infantil, devido aos numerosos riscos para a saúde inerentes à indústria.
De acordo com um estudo de 2010 feito pela BMS World Mission, dos 100.000 trabalhadores de minas no Congo, 40% são crianças com idade inferior a 18 anos. Elas são frequentemente recrutados pelo exército para trabalhar nas minas com salários que variam de apenas US $ 1 a US $ 5 por dia. Das crianças que trabalham nas minas, 66 por cento são incapazes de frequentar a escola, e 77% come apenas uma refeição por dia.
"Existe uma ligação direta entre abusos dos direitos humanos e a exploração de recursos em áreas do Congo ocupadas por Ruanda e Uganda", diz Suliman Baldo, pesquisador sênior na divisão africana do Human Rights Watch, uma organização não governamental com sede em Nova York/EUA que registra abusos de direitos humanos em todo o mundo.
A extração de coltan contribui para manter ativo o que é atualmente o mais antigo conflito armado da África, que causou mais de cinco milhões de mortos, além de êxodo em massa e violação de mais de 300 mil mulheres nos últimos 15 anos. Segundo o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) existem cerca de 157 empresas e indivíduos de todo o mundo vinculados, de um modo ou de outro, à extração ilegal de matérias-primas valiosas na RDC.
Felizmente, há muito tempo a ligação entre o banho de sangue e o coltan alarmou os fabricantes de alta tecnologia, que lentamente começaram a se posicionar e a evitar que seus produtos contivessem materiais contaminados pela guerra civil. Da mesma forma que muitos no mundo passaram a evitar os chamados “diamantes de sangue”, que estimulavam as guerras civis em Serra Leoa, Angola e Libéria, o coltan passou a ser visto desta maneira, estabelecendo regulamentações mais rígidas para importação e exportação.
Com o tântalo, porém, esse controle se mostrou mais difícil. O mercado do metal se baseia em conexões comerciais reservadas e tortuosas, sujeitas a poucas regulamentações internacionais, e o minério não é vendido em bolsas de metais regulamentadas. Para compensar este problema a Apple, a Intel, a Microsoft e a Samsung anunciaram, em 2011, que deixariam de comprar tântalo procedente da antiga colônia belga.
Apesar desses grandes avanços, a Apple, por exemplo, praticamente não possui fábricas, terceirizando toda a sua produção de iPhones. Esta atitude limita muito a capacidade da empresa de verificar a origem do material usado em cada uma de suas “montadoras de aluguel” e o que vemos são estas empresas chinesas sendo acusadas por suas conexões com o coltan congolês ano após ano, sem nenhuma atitude mais firme da Apple.
Existem duas soluções para este problema, a primeira delas é deter a pressão do mercado que faz com que as pessoas troquem o celular por outro mais moderno de forma anual. Neste momento, a reciclagem, mesmo feita em grande escala, não chega nem perto de dar conta da necessidade de produção. Quem afirma isto é a BCD Electro, empresa de reutilização e reciclagem de informática e eletrônica. Esta mentalidade de consumo valoriza o tântalo ano a ano, fazendo com que muitas empresas tenham que recorrer a um material sujo com o sangue da guerra civil congolesa.
Este seria o cenário ideal, mas como sabemos que as empresas de celulares não farão isso, o mínimo que poderia ser tentado é que os clientes e usuários de iPhone façam uma pressão maior para que a Apple (ou outras empresas com práticas similares) tenha maior controle e vistoria de como funciona a aquisição de materiais nas fábricas que produzem seus aparelhos.
As condições de trabalho e redes anti-suicídio:
Para começar a falar sobre esse tópico vamos utilizar um caso que gerou muita polêmica no final do ano passado. Enquanto Tian Fulei trabalhava em uma fábrica de iPhones “alugada” pela Apple nas proximidades de Xangai, o jovem sofreu um colapso fulminante após trabalhar em turnos de 12 horas diárias, sete dias por semana, segundo informações do site Mail Online.
Encontrado no dormitório de trabalhadores, Tian trabalhava sem descanso em Pegatron, uma das maiores fábricas de produtos da Apple no mundo. A empresa inicialmente negou que o ambiente de trabalho tenha contribuído para o ocorrido, mas prometeu aos familiares de Tian uma indenização de 15 mil yuans (cerca de 7.400 reais). A família ameaçou paralisar a produção e contou com o apoio da polícia local na ação, o que levou a empresa a subir a indenização para 80 mil yuans (cerca de 39.800 reais), uma das maiores já paga pela morte de um trabalhado na China.
Originário de uma família de camponeses, Tian Fulei ganhava um salário mensal fixo de 1.800 yuans (o que equivalia na época a cerca de 895 reais). Apesar disso, o trabalhador fazia horas extras frequentes para conseguir pagar as despesas do seu casamento que estava marcado para alguns meses no futuro, chegando a cumprir 70 horas semanais para tal. A família não pôde pagar por uma autópsia (a empresa também não se comprometeu a fazer uma) e também não pôde ter acesso aos documentos com a carga horária de trabalho de Tian.
Segundo os representantes da Apple, obrigados a se manifestar pois o homem colapsou fabricando iPhones, a política interna da empresa proíbe que suas subsidiárias forcem mais do que 60 horas de trabalho semanais, exceto em caso de “emergência” ou circunstâncias “incomuns”.
Apesar da política, quase todas as entidades que investigam violações de direitos humanos nas fábricas chinesas parecem alertar o fato de que estas políticas não são reforçadas nas fábricas de aluguel da Apple. Os últimos relatórios da ONG China Labor Watch (CLW) mostraram que os trabalhadores das fábricas da Pegatron (que trabalha quase exclusivamente para produtos da maçã) trabalharam mais de 60 horas semanais em 2014.
A estranheza não termina aí, segundo CLW os funcionários dessas fábricas fizeram, em média, 95 horas extras no meses finais do ano (antes do natal), mais do que o dobro do limite de 36 horas mensais previsto pela lei chinesa.
De acordo com a estatísticas oficiais divulgadas pelo governo na Rádio Internacional da China cerca de 1.600 pessoas morrem por dia de tanto trabalhar no país. Outra ONG de vistoria, a China Youth Daily, trazendo um número ligeiramente maior, a exaustão e o excesso de trabalho matam cerca de 1650 pessoas por dia, no ano são 600 mil chineses que morrem em seus postos de trabalho.
Isso tudo sem contar os inúmeros casos de suicídio nas fabricantes de tecnologia. A Foxconn, a maior empregadora do setor privado da China e principal fabricante de iPhones e iPads ao redor do mundo, corresponde a algumas destas piores estatísticas, mas suas ações para tentar revertê-las acabaram chocando o mundo.
As condições de trabalho na Foxconn são aparentemente tão ruins que ao fabricante foi obrigada a instalar redes de suicídio em suas fábricas após uma onda de suicídios que começou em 2010. Desde então foram dezenas de saltos, tão frequentes que foram necessárias instalações de barreiras nas janelas e nos dormitórios da fábrica, onde vivem de 300.000 a 400.000 trabalhadores.
A partir de 2011, os trabalhadores da fábrica da Foxconn em Chengdu foram obrigados a assinar um contrato que os proibia de cometer suicídio, penalizando as famílias daqueles que saltassem para morrer nas fábricas, retirando a possibilidade de que elas recebessem as bonificações do suicida. Em defesa deles, a empresa também começou a oferecer aumentos progressivos aos funcionários, mas não tem sido muito capaz de reduzir suas jornadas de trabalho.
A empresa ainda não conseguiu remover as redes de suicídio em seus edifícios. E, a julgar por algumas estatísticas de trabalho como o número de colaboradores que desistem de seus empregos, cerca de 24 mil pessoas a cada mês, a Foxconn ainda tem um longo caminho a trilhar. De acordo com o New York Times, o trabalhador médio da empresa ganha cerca de R$ 17 por dia enquanto fazem jornadas que muitas vezes chegam à 70 horas por semana. Enquanto isso, o CEO da Foxconn Terry Gou tem um patrimônio líquido de US $ 5,9 bilhões. Isso significa que o empregado médio Foxconn teria que trabalhar durante 951 mil anos, 70 horas por semana, para ter tanto dinheiro como seu principal executivo.
As horas e a exaustão são apenas um dos problemas praticados por estas fábricas. Os trabalhadores da Foxconn são multados por falar no trabalho e guardas patrulham as linhas de montagem para garantir que os trabalhadores não quebrem a regra. Segundo o pesquisador chinês Zhu Guangbing em entrevista ao jornal The Telegraph. "Se você falar, você ganha uma marca negra em seu registro e pode até mesmo tomar um esporro de seu gerente. Você também pode ser multado e perder parte do seu salário.”,
Você pode pensar que com todas estas acusações a Apple ameaçaria a Foxconn de empregar outras fábricas que gerassem menos polêmica ou publicidade negativa para ela. Infelizmente não foi isso que aconteceu. Há poucos meses atrás a Apple e a Foxconn iniciaram um novo nível de parceria que pode dar a fabricante chinesa a exclusividade na fabricação dos dispositivos da Apple.
O problema com os impostos
Você pode não gostar de pagar impostos, especialmente no Brasil, quando parece ser tão difícil de enxergar uma gestão razoável do dinheiro público. Mal ou bem é ele quem fomenta as melhores universidades do país, o SUS (Sistema Único de Saúde) entre outras centenas de setores estratégicos. O fato é que o imposto é uma das formas mais válidas que as sociedades modernas encontraram de equilibrar um pouco a desigualdade social, efetivamente transferindo renda e serviços para a população mais carente do país.
No mundo inteiro, incluindo os diferentes países europeus, onde os impostos consideravelmente mais altos que os do Brasil demonstram resultados sociais favoráveis, as grandes empresas de tecnologia continuam com a prática da sonegação. Segundo a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) os governos dos países desenvolvidos perdem cerca de 240 bilhões de dólares por ano em impostos não pagos.
No caso dos Estados Unidos, lar de algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo, ele deixa de taxar contando apenas suas cinco maiores companhias do setor, - Apple, Microsoft, Google, Oracle e Cisco - mais de 430 bilhões de dólares. Destes, a Apple, a maior sonegadora, parece esconder quase 158 bilhões de dólares no exterior. Se trouxesse de volta para os EUA e fosse tributada a uma taxa que é de em média 35 por cento, o dinheiro escondido pela empresa poderia criar mais de 300 mil empregos no setor público durante cinco anos.
E como o gráfico abaixo ilustra, as alíquotas médias da indústria de tecnologia são algumas das mais baixas de todos os setores. O Professor da Universidade de Nova York, Aswath Damodaran, estudou os dados de mais de 7.000 empresas de capital aberto e descobriu que, embora o setor automotivo pague uma taxa média de imposto de renda de 32,7 por cento, o setor de software paga apenas 10,1 e o de serviços de computação e internet paga ainda menos, uma taxa de aproximadamente 5,9 por cento.
Sabemos que as empresas que operam em vários países são notórias por sua capacidade de manter os seus lucros longe das mãos dos diferentes governos. A Apple, como o gráfico mais acima demonstrou, é a recordista de evasão de impostos. Se levarmos em conta apenas os processos que ela tem recebido por sonegação nos últimos anos, este artigo teria de triplicar o seu tamanho.
Segundo a Reuters, a filial chinesa da Apple deixou de pagar 452 milhões de iuans (71 milhões de dólares) em impostos em 2013. É isso que afirma um relatório do Ministério das Finanças da China, anunciando um movimento de endurecimento do país em sua postura com relação à cobrança pagamentos de impostos por empresas estrangeiras.
Nos últimos anos a empresa vem colecionando diversos processos ao redor do mundo por sonegação. Nos Estados Unidos a empresa é acusada de omitir 9 bilhões de dólares aos cofres públicos. O governo italiano acusa a empresa de sonegar 964 milhões de dólares. Outro exemplo recente é a Austrália, que abriu um processo cobrando 196 milhões de dólares de impostos sonegados no país. Com um pouco de pesquisa, temos a impressão de que a empresa parece sonegar impostos em todos os locais onde se estabelece, mostrando um completo e total desrespeito com as leis locais.
O lucro acima de tudo
Recentemente fizemos uma matéria no TudoCelular para esclarecer o quanto custava para a Apple produzir o seu celular mais recente, se baseando em uma matéria do site iClarified. Com o recente aumento dos preços de todos os produtos da Apple no Brasil, vale rever um pouco o quão problemáticas são as políticas de preço da empresa.
Sabemos que o preço de custo de um iPhone 6s Plus é de 231,50 dólares, além de mais cinco dólares para pagar o salário dos funcionários terceirizados, energia e outros custos operacionais locais, que elevam o preço do produto para 236 dólares. Nas lojas dos Estados Unidos ele é vendido por 749 dólares e se considerarmos o preço de distribuição, marketing, desenvolvimento e o lucro da loja em si, o valor é consideravelmente alto, especialmente porque o iPhone é vendido na casa das dezenas de milhões de unidades.
Se analisarmos o caso da Samsung, por exemplo, seus celulares são mais caros de serem produzidos e custam mais barato do que os iPhones mais recentes, mostrando que a empresa coreana pratica uma margem de lucro substancialmente menor. Claro que também devemos levar em conta a questão do sistema operacional. A Samsung tem que gastar bem menos com isso já que este desenvolvimento fica nas mãos da Google, mas certamente o preço final do iOS por unidade não é terrivelmente alto .
Um dos fatores recentes que entrega as práticas de margem de lucro da empresa pode ser percebido quando olhamos para o custo de produção de uma memória Flash hoje em dia. A empresa chega a cobrar mais de 100 dólares de diferença entre modelos de iPhone com 16 gigas ou 64 gigas quando o custo destes componentes possuem apenas a pequena diferença de 17 dólares. Todos as vantagens da evolução tecnológica na produção de memórias em flash, parecem ser convertidos tão somente em lucro para a Apple. Segundo os especialistas do iClarified:
"A memória em Flash agora é tão barata que é quase irrelevante, mas a Apple continua monetizando em cima de seus clientes, cobrando quase 100 dólares adicionais por elas. Por exemplo, um iPhone de 64 GB custa agora a Apple US$ 17 a mais para ser feito do que um iPhone de 16 GB, mas a Apple cobra dos seus consumidores 100 dólares adicionais pelo aumento da memória. Isso faz parte da estratégia em curso da Apple para maximizar os lucros da empresa.”
Nós falamos muito sobre esse assunto em um artigo recente, dedicado a medir as margens de preço no Brasil e o motivo dos celulares serem tão caros aqui. A Apple é um exemplo de empresa que segue esta prática do “preço” inflado no mundo todo e, enquanto ela for extremamente bem sucedida ao fazê-lo, certamente nada a fará baixar seus preços.
Como já mencionamos, nestes últimos dois meses os preços da Apple subiram mais uma vez no Brasil, ultrapassando qualquer posicionamento de mercado. O comportamento econômico da empresa em nossas terras parece trazer o pior de suas práticas de monetização. Nos Estados Unidos, por exemplo, o iPhone custa US$ 649 na versão de 16 GB desde o iPhone 4, lá em 2010, independentemente de custos de produção, inflação e qualquer outro, foram seis gerações anunciadas com o mesmo preço, mesmo durante um momento de crise financeira onde a situação no país estava totalmente caótica.
E o que aconteceu por aqui no Brasil? Os preços aumentaram geração após geração. O mesmo acontece com os Macs, que estão longe de serem os modelos mais caros do mercado americano. Nós já demonstramos em um artigo que o preço praticado aqui não tem relação com a alta do dólar. Ele está muito mais ligado à ideia de produto e marca de luxo que a empresa estabeleceu por aqui, mas no caso da Apple esse problema vai muito mais além.
O novo MacBook Pro Retina de 15 polegadas agora custa R$ 23.499 na versão mais básica no Brasil. Nos Estados Unidos o seu preço é 2.499 dólares. Mesmo que você compre este produto no estado com o imposto mais alto dos EUA (9,75%), e pague com cartão de crédito, ou seja perca pelo menos 6,18% de IOF ,o valor final que chegamos é de R$ 11.648, mesmo com o dólar a quatro reais, o que significa que é menos da metade do que é cobrado aqui.
Isso significa que, pagando cinco mil reais por passagem e um hotel decente para ficar alguns dias nos EUA, ainda é muito mais barato e vale muito mais a pena ir até os EUA e comprar lá. O que é exatamente a estratégia da Apple: criar a ilusão de um bom negócio, pois que você economizou comprando nos Estados Unidos, mas, na verdade, você gastou uma bela grana somente pela diferença de preços entre o modelo americano e o brasileiro. No final você ainda está pagando um produto superfaturado, só que está absolvendo a Apple de investir em uma infraestrutura no Brasil para vender produtos com preços mais competitivos.
Claro que diante de todos os problemas relatados previamente, este é certamente o menor deles. Mas nos incomoda muito que uma empresa que tenha ultrapassado diversas barreiras éticas para cortar custos ainda opere desta forma e sob esta lógica na hora de elaborar seu preço. Não é coincidência que apesar de não ser a marca mais popular do mercado (esta é a Samsung) a Apple ainda é de longe a que mais lucra.
Como proceder?
Acredito que devemos nos perguntar sempre que tipo de mundo queremos construir quando uma empresa com estas práticas se torna o objeto de desejo de toda uma geração. Não é exatamente como se as pessoas não soubessem o que está acontecendo. Temos dezenas de fontes que falam especificamente sobre estes problemas da indústria dos celulares, desde documentários até notícias semanais.
Certamente isso não significa que devemos voltar às cavernas e abandonar nossos telefones, muito pelo contrário, eles são ferramentas relevantes para nos informarmos. Precisamos sim diminuir o grau de consumo frenético desta indústria, investir em modelos mais duráveis, que possam nos servir por anos.
Precisamos enfrentar e questionar as violações de direitos humanos praticadas por essas empresas e estabelecer sansões e embargos às empresas que se recusarem a mudar. Precisamos espalhar e divulgar a consciência destas práticas desumanas, trazendo mais pessoas (e, no caso das empresas, mais clientes) para fazer pressão por uma mudança.
Vamos abraçar e aplaudir mudanças com aquelas anunciadas este mês pela Samsung, que visa trocar os trabalhadores braçais de suas fábricas por robôs, incentivando que essas empresas paguem recompensas grandes pelos anos de serviço de seus funcionários para que eles possam se capacitar em outras áreas. Claro que é importante lembrar que em grande parte a empresa coreana é tão culpada dos problemas descritos aqui, no entanto, a automatização proposta por ela é uma proposta válida para acabar com as condições degradantes nas fábricas asiáticas.
As soluções são muitas, e nós certamente não contemplamos nem 2% de suas possibilidades. Tudo o que desejamos é que de fato as mudanças com relação a violações de direitos humanos, sonegação de impostos, práticas escusas de preços e tantos outros problemas sejam enfrentados e superados.
Autoria de Felipe Velloso
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